Política no Confessionario, Italia 1974
Catedral, Salerno
CONFESSOR – Quais são os seus pecados?
PENITENTE – Precisava que me desse um conselho, senhor padre. Sou casada e o meu marido é dirigente do partido comunista. Dentro em pouco, vão realizar-se as eleições e decidi…convenci-me de que devo votar nos comunistas. Portanto, gostava de saber se isso é pecado.
C – É pecado sim, minha filha. (Transcrevemos as frequentes interjeições proferidas pelo sacerdote como as interpretámos pelo som) Porque o comunismo é contra a religião, contra os padres, contra Deus. Não se pode aceitar, compreende? Seria um…como dizer? … Um suicídio. Entende?
P – Está bem, mas se os operários que, no fundo, trabalham, obtiveram um pouco de justiça nos últimos anos, conseguiram melhores condições, devem-no ao comunismo e não à Igreja. Portanto, não vejo por que…
C – Não vês nada, minha filha, podes crer. Não entendes dessas coisas. O teu marido iludiu-te com tolices sem bases. Importaste-te que te trate por tu?
P – Pode fazê-lo, senhor padre. É de Roma?
C – Sim, do Lácio. É difícil dissimulá-lo, hem? Há três anos que me encontro nestas paragens. E você…tu és daqui?
P – Não, nasci em Tunes, mas de pais italianos.
C – Ah, em África…África de sol radiante.
P – Esteve em África, senhor padre?
C – Dois anos, com as tropas de Graziani.
P – Muito bem. Nesse caso, na sua opinião, peco?
C – Pecas? Ah sim. Sim, e não o deves fazer, minha filha, porque se trata de um pecado grave. Os hebreus crucificaram Cristo outrora e os comunistas querem repetir a proeza. Compreendes? Se estás com eles, se os ajudas com o teu voto, colocas-te ao lado dos crucificadores de Jesus Cristo.
P – Mas meu marido é um homem de ideias lúcidas, justas, não gosta da violência e nunca crucificaria ninguém. Tenho fé nele, além de que estou de acordo com as suas ideias. Entende, senhor padre?
C – Deixa-te disso, minha filha. Presta atenção. Crês em Deus? Sim, porque de contrário não estavas aqui. E então? Sabes que os comunistas foram excomungados? E sabes quem os excomungou? O papa. E sabes quem inspirou o papa? Deus. Deus está em ligação directa com o papa, como se diz com frequência. Portanto, se crês…deves aceitar tudo isso.
P – Mas…
C – Compreendo a tua posição, minha filha. Teu marido deve ter insistido para que votes neles. Mas não te preocupes. Diz-lhe que sim, para salvar a paz doméstica, e depois…em quem votaste das outras vezes?
P – Na outra vez, porque ainda só votei uma. Em quem? Mas o voto não é secreto?
C – Não pecas se o revelares ao confessor. Se não, que espécie de confissão seria?
P – Nos Democratas-Cristãos.
C – Realmente, minha filha?
P – Sim, senhor padre.
C – Então…então, que te levou a mudar de ideias? Deixa lá o teu marido votar neles, para evitar discussões inúteis e salvar a paz doméstica, mas tu vota segundo a tua consciência, porque a tua fé é cristã, não?
P – Sim, senhor padre. Mas uma coisa é crer em Deus e outra votar em que pretende maior justiça social, em quem luta contra os patrões. Os padres costumam estar ao lado dos patrões, portanto…
C – Se pensas assim, porque vieste confessar-te, minha filha? Presta atenção: deixa lá essas coisas que desconheces. Falo-te assim, com bons modos, porque é suma filha de Deus como eu, mas lembra-te que com isso não se brinca. A graça de Deus conduz-te ao paraíso, enquanto a excomunhão só te levará ao inferno, minha filha. Deixa essas coisas que ignoras. Estás melhor junto do rebanho, não? Que fazes?
P – Não compreendo.
C – Trabalhas fora de casa?
P – Não, sou doméstica.
C – Então, deixa a política em paz…a política é uma coisa detestável, minha filha. Regressa ao rebanho, a casa…Tens filhos?
P – Não.
C – Não? Porquê?
P – Porque…porque ainda não vieram.
C – Ah. E o amor com teu marido corre bem?
P – Se o faço bem?
C – Então, minha filha! Quero saber se corre tudo ou bem ou há problemas.
P – Não sei…problemas…
C – Nesse caso, há problemas?
P – Não sei. De que espécie?
C – Dás-te bem com ele, na cama?
P – Bom, sim…
C – Então, por que não aparecem os filhos?
P – Há só dois anos que casámos e ainda é cedo para os termos, senhor padre.
C – E que fazes, para que não apareçam?
P – Que faço? É ele, meu marido, que presta atenção a essas coisas.
C – Tira-o para fora antes?
(silêncio
C – Que se passa, minha filha? Não respondes?
P – …sim, faz isso.
C – Sabes que é pecado?
P – Pecado? Com tantos filhos que há no mundo…
C – O bom cristão não receia ter demasiados filhos. Deus estabeleceu que o acto sexual se deve
desenrolar dentro da vagina, de contrário é pecado. Compreendes, minha filha?
P – Mas mesmo que eu quisesse…é ele quem procede assim.
C – Mas estás de acordo?
P – Bem, de momento estou.
C – Não podes estar de acordo, minha filha, entendes? De contrário, pecas. Ele que faça como quiser…que fique com a responsabilidade.
P – Mas assim não é honesto…
C – Voltamos ao princípio? Já te disse que deixasses isso. És uma criatura límpida, esplêndida, uma criatura de Deus. Conserva-te assim! Pratica o amor com teu marido, deves fazê-lo, para que ele não procure outras. Deves participar, abandonar-te, ajudá-lo ainda que debilmente, mas depois deixa-o proceder como entender. Se quiser pecar e tirá-lo antes, não te preocupes.
P – Está bem, senhor padre, compreendi.
C – Deves continuar a ser uma dona de casa corajosa, uma boa esposa, mas deixa a política sossegada, segue o meu conselho. Vota como votaste da outra vez e fica com a consciência tranquila. Entendes? O amor deves praticá-lo, isso sim, de contrário cai tudo por terra, mas quanto ao voto…diz-lhe que votas neles, mas não o faças, compreendes?
P – Está bem, senhor padre.
C – Outros pecados? Mentiras? Mexericos? Blasfémias?
P – Não, não.
C – Então, como penitência, dirás três ave-marias a Nossa Senhora.
CONFESSOR – Quais são os seus pecados?
PENITENTE – Precisava que me desse um conselho, senhor padre. Sou casada e o meu marido é dirigente do partido comunista. Dentro em pouco, vão realizar-se as eleições e decidi…convenci-me de que devo votar nos comunistas. Portanto, gostava de saber se isso é pecado.
C – É pecado sim, minha filha. (Transcrevemos as frequentes interjeições proferidas pelo sacerdote como as interpretámos pelo som) Porque o comunismo é contra a religião, contra os padres, contra Deus. Não se pode aceitar, compreende? Seria um…como dizer? … Um suicídio. Entende?
P – Está bem, mas se os operários que, no fundo, trabalham, obtiveram um pouco de justiça nos últimos anos, conseguiram melhores condições, devem-no ao comunismo e não à Igreja. Portanto, não vejo por que…
C – Não vês nada, minha filha, podes crer. Não entendes dessas coisas. O teu marido iludiu-te com tolices sem bases. Importaste-te que te trate por tu?
P – Pode fazê-lo, senhor padre. É de Roma?
C – Sim, do Lácio. É difícil dissimulá-lo, hem? Há três anos que me encontro nestas paragens. E você…tu és daqui?
P – Não, nasci em Tunes, mas de pais italianos.
C – Ah, em África…África de sol radiante.
P – Esteve em África, senhor padre?
C – Dois anos, com as tropas de Graziani.
P – Muito bem. Nesse caso, na sua opinião, peco?
C – Pecas? Ah sim. Sim, e não o deves fazer, minha filha, porque se trata de um pecado grave. Os hebreus crucificaram Cristo outrora e os comunistas querem repetir a proeza. Compreendes? Se estás com eles, se os ajudas com o teu voto, colocas-te ao lado dos crucificadores de Jesus Cristo.
P – Mas meu marido é um homem de ideias lúcidas, justas, não gosta da violência e nunca crucificaria ninguém. Tenho fé nele, além de que estou de acordo com as suas ideias. Entende, senhor padre?
C – Deixa-te disso, minha filha. Presta atenção. Crês em Deus? Sim, porque de contrário não estavas aqui. E então? Sabes que os comunistas foram excomungados? E sabes quem os excomungou? O papa. E sabes quem inspirou o papa? Deus. Deus está em ligação directa com o papa, como se diz com frequência. Portanto, se crês…deves aceitar tudo isso.
P – Mas…
C – Compreendo a tua posição, minha filha. Teu marido deve ter insistido para que votes neles. Mas não te preocupes. Diz-lhe que sim, para salvar a paz doméstica, e depois…em quem votaste das outras vezes?
P – Na outra vez, porque ainda só votei uma. Em quem? Mas o voto não é secreto?
C – Não pecas se o revelares ao confessor. Se não, que espécie de confissão seria?
P – Nos Democratas-Cristãos.
C – Realmente, minha filha?
P – Sim, senhor padre.
C – Então…então, que te levou a mudar de ideias? Deixa lá o teu marido votar neles, para evitar discussões inúteis e salvar a paz doméstica, mas tu vota segundo a tua consciência, porque a tua fé é cristã, não?
P – Sim, senhor padre. Mas uma coisa é crer em Deus e outra votar em que pretende maior justiça social, em quem luta contra os patrões. Os padres costumam estar ao lado dos patrões, portanto…
C – Se pensas assim, porque vieste confessar-te, minha filha? Presta atenção: deixa lá essas coisas que desconheces. Falo-te assim, com bons modos, porque é suma filha de Deus como eu, mas lembra-te que com isso não se brinca. A graça de Deus conduz-te ao paraíso, enquanto a excomunhão só te levará ao inferno, minha filha. Deixa essas coisas que ignoras. Estás melhor junto do rebanho, não? Que fazes?
P – Não compreendo.
C – Trabalhas fora de casa?
P – Não, sou doméstica.
C – Então, deixa a política em paz…a política é uma coisa detestável, minha filha. Regressa ao rebanho, a casa…Tens filhos?
P – Não.
C – Não? Porquê?
P – Porque…porque ainda não vieram.
C – Ah. E o amor com teu marido corre bem?
P – Se o faço bem?
C – Então, minha filha! Quero saber se corre tudo ou bem ou há problemas.
P – Não sei…problemas…
C – Nesse caso, há problemas?
P – Não sei. De que espécie?
C – Dás-te bem com ele, na cama?
P – Bom, sim…
C – Então, por que não aparecem os filhos?
P – Há só dois anos que casámos e ainda é cedo para os termos, senhor padre.
C – E que fazes, para que não apareçam?
P – Que faço? É ele, meu marido, que presta atenção a essas coisas.
C – Tira-o para fora antes?
(silêncio
C – Que se passa, minha filha? Não respondes?
P – …sim, faz isso.
C – Sabes que é pecado?
P – Pecado? Com tantos filhos que há no mundo…
C – O bom cristão não receia ter demasiados filhos. Deus estabeleceu que o acto sexual se deve
desenrolar dentro da vagina, de contrário é pecado. Compreendes, minha filha?
P – Mas mesmo que eu quisesse…é ele quem procede assim.
C – Mas estás de acordo?
P – Bem, de momento estou.
C – Não podes estar de acordo, minha filha, entendes? De contrário, pecas. Ele que faça como quiser…que fique com a responsabilidade.
P – Mas assim não é honesto…
C – Voltamos ao princípio? Já te disse que deixasses isso. És uma criatura límpida, esplêndida, uma criatura de Deus. Conserva-te assim! Pratica o amor com teu marido, deves fazê-lo, para que ele não procure outras. Deves participar, abandonar-te, ajudá-lo ainda que debilmente, mas depois deixa-o proceder como entender. Se quiser pecar e tirá-lo antes, não te preocupes.
P – Está bem, senhor padre, compreendi.
C – Deves continuar a ser uma dona de casa corajosa, uma boa esposa, mas deixa a política sossegada, segue o meu conselho. Vota como votaste da outra vez e fica com a consciência tranquila. Entendes? O amor deves praticá-lo, isso sim, de contrário cai tudo por terra, mas quanto ao voto…diz-lhe que votas neles, mas não o faças, compreendes?
P – Está bem, senhor padre.
C – Outros pecados? Mentiras? Mexericos? Blasfémias?
P – Não, não.
C – Então, como penitência, dirás três ave-marias a Nossa Senhora.
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